O ministro do povo

Livro resgata a história do mineiro Teófilo Ottoni, criador da Companhia do Mucuri e político com pê maiúsculo

Ângela Faria

Nós, mineiros, gostamos de demonstrar orgulho pela história de nosso estado. Guerra dos Emboabas, Barroco, Aleijadinho, Inconfidência, Tiradentes, JK e, mais recentemente, a gestação da Nova República sob a batuta de Tancredo Neves foram capítulos fundamentais da trajetória do povo brasileiro. Infelizmente, há pouquíssimos livros sobre a história de Minas voltados para as novas gerações. A maioria dos trabalhos disponíveis nas livrarias oferece textos densos, sobretudo a respeito do Ciclo do Ouro, destinados a público especializado.

Teófilo Ottoni – A república e a utopia do Mucuri, que Nilmário Miranda lança segunda-feira, no auditório da Prefeitura de Belo Horizonte, desperta a atenção dos leigos sobre essa figura ímpar de nossa história. Ex-deputado e ex-secretário Especial de Direitos Humanos do governo Lula, o jornalista Nilmário, ligado por laços afetivos à cidade de Teófilo Ottoni, reapresenta aos brasileiros esse personagem visionário e pioneiro.

O autor optou por um livro didático e fácil de ler. Presta merecida homenagem a Paulo Pinheiro Chagas, que escreveu Teófilo Ottoni: Ministro do povo, clássico da historiografia mineira. Heloísa Starling, Newton Bignotto, Christiano Ottoni, José Murilo de Carvalho e Raymundo Faoro são outros especialistas que ajudaram Nilmário a analisar a trajetória de Ottoni.

Abolicionista, republicano, herói da Revolução Liberal de 1842 e fundador de Filadélfia, a cidade do Vale do Mucuri que mais tarde ganharia seu nome, Teófilo Ottoni merece ser redescoberto, acredita Nilmário. Aliás, no dia 27 será comemorado o bicentenário de nascimento dele. “Foi um político com objetivos, fez política norteando as ações e o pensamento pelo interesse comum. Derrotado em vida, seus projetos acabaram se constituindo. A República não veio como sonhou; veio sem o governo do povo por si mesmo; com rala democracia, sem rupturas; contudo, a dinastia bragantina veio abaixo após 70 anos. É verdade que o conservadorismo apropriou-se da bandeira das reformas para moldá-las a seus interesses”, escreve Nilmário.

AVENTURA

A chamada “aventura do Mucuri” foi momento ímpar do século 19. Depois de abraçar a causa republicana, liderar a Revolução de 1842 e ser preso – da cadeia, editou o jornal O Itacolomi, em defesa dos revolucionários –, Ottoni protagonizou um dos capítulos mais emocionantes da história brasileira. Julgado em Mariana, ele se recusou a pedir perdão. Dispensou os advogados e se defendeu perante o júri, alegando que inconstitucionalidades provocaram a revolta, acusando o Império de reduzir as liberdades individuais. Foi absolvido por unanimidade. Dezoito anos depois, fez autocrítica. Concluiu que a luta de 42 não deveria se dar pelas armas, mas na peleja política.

Em 1851, criou a Companhia do Mucuri. Com o suporte de capitais privados e inspirado na revolução político-econômica realizada pelos norte-americanos, investiu em projeto pioneiro para levar o desenvolvimento ao interior de Minas. Fundou Filadélfia, no Vale do Mucuri, onde colonos se dedicariam à cultura do algodão, à pecuária e a produzir manufaturados. A região era dominada pela selva, abrigava valentes tribos indígenas, pouco se comunicava com o litoral e o restante da província. Ottoni planejou estradas, ferrovias, apostou no transporte fluvial. Atraiu colonos europeus, sonhava em fazer daquela comunidade muito mais do que mero pólo econômico.

Filadélfia seria uma espécie de “laboratório social”, à frente de seu tempo. Estariam assegurados o direito de culto, a proteção da propriedade, o respeito aos direitos individuais. Ali se constituiria alternativa política ao modelo escravista do Império, centrado no Rio de Janeiro. Porém, os prejuízos econômicos derrotaram a utopia de Ottoni. A precária navegabilidade do Rio Mucuri obrigou a companhia a abrir dispendiosas estradas, inviabilizando a cobrança de fretes, sustentáculo do projeto. Em 1858, a empresa faliu. Mudanças políticas se refletiram no empreendimento. Adversários de Ottoni na corte, intrigas e prejuízos crescentes levaram o Império a encampar a Companhia do Mucuri.

A navegação foi abandonada, assim como a estrada. A população de Filadélfia se reduziu. “Mas o que estava plantado não tinha volta, não tinha retorno”, ressalta Nilmário Miranda. Empobrecido, doente, acusado de improbidade e acossado por adversários, Ottoni foi eleito para a Câmara dos Deputados. Senador, apoiou Caxias, notório adversário, para comandar as tropas brasileiras. Defendeu a emancipação dos escravos, a reforma eleitoral e as liberdades democráticas. Quando morreu, em 17 de outubro de 1869, verdadeira multidão dispensou o carro fúnebre para levá-lo a pé ao cemitério do Catumbi.

Conhecer a história de Teófilo Ottoni, 200 anos depois de seu nascimento, não é mero saudosismo bairrista, nem bravata provinciana. Políticos com pê maiúsculo não deveriam ser confinados a livros de história. O ministro do povo, como o chamou o biógrafo Paulo Pinheiro Chagas, tem muito a ensinar à garotada do século 21, obrigada a conviver com mensalões e Renans Calheiros da vida.

TEÓFILO OTTONI – A REPÚBLICA E A UTOPIA DO MUCURI
. De Nilmário Miranda
. Caros Amigos Editora, 183 páginas

Lançamento segunda-feira, às 19h, no auditório da Prefeitura de Belo Horizonte, Avenida Afonso Pena, 1.212, Centro. Informações sobre Teófilo Ottoni podem ser obtidas em http://www.teofilootoni.blogspot.com/ ou bicentenarioto@gmail.com


Publicado no Jornal ESTADO DE MINAS, Caderno PENSAR - sábado, 17/novembro/2007


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